quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Conto de amor número 2

Na atribulada cidade, megalópole onde centenas de pessoas se cruzam, lá estavam eles.
Pessoas, números, estatísticas e coincidências.
No primeiro dia ativo da semana, enquanto ele saía do metrô, ela entrava, no mesmo vagão.
A cena se repetiu mais dois dias.
Impossível passar despercebido.
Ele não acreditava em destino, muito menos em acaso, ele sempre pagava para ver.
Ela notou, pensou em não dar tanta importância, mas no segundo dia sonhou com o metrô.
Fernando estava vestido de preto, normalmente essa era sua roupa, não que fosse proposital, eram apenas umas camisas e umas calças que tinha, dadas ou compradas, as cores eram as mesmas e ele não queria ter trabalho para escolher. Resolveu ficar naquele vagão, se recusava a sair, esperaria para ver a moça entrar, desceria na próxima estação.
Ela, Ana Clara, enfermeira há dois anos, vestia branco, da cabeça aos pés, a divergência ficava por conta da bolsa, um roxo, cheio de penduricalhos.
Entrou, sentou, retirou seu livro.
Ele estava de pé, não resistiu e sentou ao lado, retirou seu livro. Não desceu na estação seguinte.
Ela se sentiu atentada, olhou para o lado, reparou no tênis, preto, subiu o olhar, mochila no colo, com o crachá do serviço no bolso lateral, um livro e parou por aí, medo de cruzar o olhar.
Ele ficou imóvel, queria falar alguma coisa mas não conseguiu, não conseguiu nem mesmo olhar para o lado.
Ela levantou, se foi.
Fernando desceu na estação seguinte, foi para casa e não parou de pensar nela.
Ana Clara estranhou o que sentiu sentada ao lado daquele rapaz, no entanto, tratou de ignorar mais uma vez. Sonhou com o metrô e com ele também.
O metrô era o ponto de encontro. Inevitavelmente eles se encontravam, entre vários vagões o destino, o acaso, ou seja lá o que for, embora Fernando não acreditasse, tratava de colocá-los mais uma vez no mesmo lugar.
Ele, decididamente, resolveu fazer alguma coisa.
Dessa vez, quando ela entrou, ele levantou e ficou esperando que ela pegasse o seu lugar.
Ana Clara entrou e sentou no lugar que acabara de ficar vago. Abriu o seu livro, tentando não levantar os olhos e encarar aquele que povoou seu sonho na noite passada.
Ele a encarava de cima. Dessa vez pode reparar em todos os detalhes. Seu cabelo ondulado, molhado de quem acabou de tomar banho, suas mãos delicadas e a boca, essa que mais chamava a atenção, entreaberta, com os dentes brancos, mais brancos que ele pudera ver. Olhou o livro, não via o título, mas ela estava na página 88, a mesma que ele lia.
Ela grifava de marca-texto rosa os trechos que mais lhe agradavam, por várias vezes se pegou com a lágrima escorrendo ao ler, tinha um pouco de vergonha disso acontecer, mas era inevitável e só conseguia ler durante os trajetos.
Fernando tinha um trecho grifado também, não era sobre o amor ou nada parecido, mas era um que mostrava quem ele era até agora, sua sensibilidade ali, algo que não costumava mostrar. Queria que ela visse, queria falar, sorrir. Agiu. Derrubou seu livro no dela, ambos caíram no chão.
Ele se abaixou, entregou seu livro a ela e segurou o dela.
Ela leu “Mas nenhuma destas cicatrizes era recente. Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis.”
Sorriu. Conheceu Fernando naquele momento.
Ela agradeceu a leitura. Perguntou o nome dele, disse o seu. Queria conversar mais, mas precisava ir.
Ele respondeu, guardou aquele sorriso e ficou com a certeza de ela, Ana Clara, o conhecera mais profundamente que qualquer outra pessoa.
No mesmo vagão, no mesmo horário, ela entrou, ele permaneceu. Dessa vez não haviam bancos vagos.
Ela se aproximou, se dirigiu a ele pelo nome.
E conversaram, sobre livros, músicas, filmes, os encontros. Tão naturalmente como pessoas que se conheciam há anos. Não trocaram telefones. Sabia que se veriam por ali.
Incrivelmente sempre se encontraram.
Combinaram cinema.
Ele continuava com o mesmo olhar. Ela com o mesmo sorriso.
Declararam o que viviam, o amor. E viveram, declaradamente.
São um. São dois.
Mas agora entram juntos no metrô.

4 comentários:

KA disse...

Mas que belo texto!
Você tem muita sensibilidade para retratar estas situações!
Bjs

Juliana Gonçalves disse...

Ka, obrigada.
=)

Gosto de suas visitas. Gosto dos seus textos também.

Beijos!

Unknown disse...

que graça!!!!!!!!!! eles juntos no metrô!!!

Hebbmara disse...

Este texto nos envolve...
Bjs!!